sexta-feira, dezembro 05, 2008

Existe uma maneira de transformar o livro que você está lendo no último álbum da sua banda favorita?

É fácil você parar pra acompanhar música, geralmente uma dura em torno de três minutos e meio. O episódio de uma série dura cerca de 45 minutos. Os bons filmes hoje não saem por menos de 2 horas. Ainda assim a vida é uma correria tão grande, que parar pra escutar um CD inteiro, pegar o horário certo da série na TV, ou ter forças pra dedicar duas horas da sua vida ao cinema se tornam uma dificuldade em certos momentos. É por isso que hoje você escuta seu som no mp3 durante a viagem de ônibus ou no CDplayer do carro, baixa os episódios de suas séries e deixa guardados no computador pra assistir quando der, compra filmes piratas e não tem que gastar um centavo com a pipoca do Cine João Paulo.

Quando eu era criança ainda via pessoas lendo no ônibus, hoje, a não ser que eu pegue o UFAC em dia de prova, dificilmente alguém esta lendo algo que não sejam aquelas xérox mal batidas dos livros que vão cair. Com tantos leques da cultura pop abertos e fáceis de se conseguir, fica simplesmente difícil você parar e simplesmente ler por... prazer. A literatura sobrevive por ser uma eterna arte de reinvenção. Acho que os livros não vão acabar nunca. Exatamente por isso. O livro é um objeto clássico que está em constante mudança.

Lógico, vem a questão do dinheiro, da literatura como empresa de lucro, da lista do The New York Times, do Clube do Livro da Ophra, de Harry Potter levantar discussões se é correto trazer as crianças para o prazer da leitura mesmo que essa literatura seja considera lixo por qualquer crítico de plantão, e de obras como Crepúsculo tomarem o topo de vendas no Brasil. Aliás, é sempre interessante a lista de mais vendidos no nosso país. Quase não tem nada nacional. A literatura brasileira por si só já faz um tempo que parece ter parado no próprio tempo. Onde está a revolução que reinventa a literatura? Bem, mas essa não é a questão desse post.

Efraim Medina é um colombiano que escreveu Era Uma Vez o Amor Mas Tive que Matá-lo. A estória gira em torno de Rep, um homem que durante a vida foi diretor de filmes viajados, teve uma banda que só tocava sons esquisitos, escreveu um livro que foi lido por poucos, e que passava a maior parte do tempo com seus amigos num cais, bebendo e falando mal de García Márquez, mas nunca parecendo o que ele realmente é, um frustrado. O livro fala exatamente disso, frustrações. A estória é fantástica, mas existe uma particularidade nela, a forma que ele transmite a musica. O subtítulo do livro é: Música de Sex Pistols e Nirvana.

O desenrolar da vida de Rep é intercalado com cenas imaginadas e descritas pelo próprio Medina com uma força tão verossímil que dá até medo. A forma como Sid Vicious matou sua namorada Nancy está lá, o amor doentio entre os dois, a morte de Sid por overdose pouco tempo depois, tudo está lá, desvendando todo o mistério. Mais bizarro é a cena de um Kurt Cobain quando criança, correndo para casa debaixo de neve e com um violão nas costas. Um grupo de garotos negros o aborda, o obrigam a tocar o violão, quando ele termina um dos garotos diz: “Garoto, você toca tão bem que ainda vai morrer disso”, ou coisa parecida.

O poder da musica nas nossas vidas e a importância que nossos ídolos musicais têm na construção de nosso caráter nunca foram tão bem representadas por um autor literário.

Stephen King também adora trabalhar musica em suas obras. Ele é fã incondicional dos Ramones e há muitas referências deles em suas obras. Lembro que em Cemitério Maldito o caminhoneiro que atropela o filho do protagonista estava escutando Ramones na hora. Depois o caminhoneiro se mata. Estranho, né? Hilariamente eu não encontrei nenhuma referência de Ramones na maior obra de King, A Torre Negra (só uma camisa escrita Gabba Gabba Hey). Tem uma referência bacana, já no primeiro volume dos sete, onde um pianista de bar estilo-velho-oeste toca Hey Jude. No volume quatro há um hilário questionamento entre o feiticeiro e um traidor sobre o quanto Frank Sinatra realmente era bom. Também tem Megadeth, Velcro Fly, Bob Seger, Bob Dylan, Rolling Stones com Paint it Black.

Stephen King traz sempre todo um contexto musical em suas obras. Se tornam parte essencial, tanto no significado como no quesito de cultura pop. É aquela comunidade do Orkut: vida deveria ter trilha sonora.

Um dos livros que mais marcaram minha vida foi Hell Paris – 75016, da francesa Lolita Pille. Era um livro fantástico na época que coisas como Gossip Girl não eram moda e O Apanhador no Campo de Centeio era a única referência de uma juventude rica, sem valores, fútil, vazia e triste. Hell é uma jovem que mora no bairro mais rico de Paris, cheira pó que nem um aspirador e tem um cartão de crédito no lugar do coração. Quando conhece alguém mais monstruoso que ela, o jovem milionário Andreas, sua vida cheia de excessos toma um rumo diferente, caminhando para um final devastador. Hell faz questão de intercalar sua vida com as musicas que escuta e que fazem parte do mundo ao seu redor, há referências diretas a musica eletrônica francesa como Daft Punk (o momento que toca Aerodynamic é ótimo) e David Guetta. Tem duas músicas do Radiohead, Creep e Home & Dry. Mas quem comanda mesmo é o francês Leo Ferre com a musica Avec Le Temps.

Eu acho Bret Easton Ellis foda. Vocês devem conhecê-lo mais pelo Psicopata Americano (e sua clássica cena em que Patrick Bateman mata Paul Allen à machadadas ao som de Hip to Be Square, do H. Lewis and the News), mas também tem Abaixo de Zero, embora o que eu mais tenha gostado dele tenha sido o perturbado Glamorama, recomendo pra quem gosta do submundo da moda, da fama, das passarelas, sexo, violência extrema e... terrorismo. Afinal, modelos internacionais são ótimos terroristas. E o personagem Victor abre uma boate no começo do livro e é fã de música eletrônica.

Falando em O Apanhador, lembrei do romance de estréia de Nick McDonell. O garoto lançou Doze aos 17 anos e ele vendeu a bagatela de alguns milhões de cópias pelo mundo. O livro gira em torno da adolescência da classe alta americana, suas relações superficiais entre pais sempre ausentes e filhos querendo chamar a atenção. É muito bom. Doze é o nome de uma droga fictícia que tem um efeito perfeito, a questão é: não existe droga perfeita. O livro é cheio de letras de musicas, o pop rap de Nelly, a questão da MTV, os conflitos de geração. Talvez em Doze a musica seja um certo tipo de refúgio para fugir do vazio da vida ou deixá-la mais vazia ainda. Recomendo. O final é surpreendente.

Talvez o melhor livro que traduza o poder da musica dentro das nossas vidas seja Técnicas de Masturbação Entre Batman e Robin, outro título bizarro de Efraim Medina. A louca história de um grupo de amigos na Colômbia e do romance entre Sérgio e Mariane, que entre destruições completa de toda a mobília do apartamento e sexo pra deixar as coisas calmas de novo, só sobrava uma fita cassete, do grupo fictício 7 Topers, que embalava o coração de Mariane tanto quanto as citadas poesias de Emily Dickinson e Cesare Pavese.

Mas no fim, uma musica não é isso, a forma mais complexa e incrível de se traduzir uma poesia?

Um comentário:

  1. Quando entrei no Grito, me senti bombardeada com tantas informações (especialmente se observarmos que antes deste post, o blog andava até certo ponto, "pouco bombardeado")...

    Mas, consegui chegar aqui e me deparar com este texto incrível e que transpira sensibilidade.

    Longe de querer encher tua bola, mas vc me tocou em essência, naquilo que me apetece: música, livros, filmes... e a saga de saborear estas coisas com e por prazer.

    Concordo (e sinto na pele, todos os dias) o quanto a contemporaneidade nos tira a proposta de "desfrutar" o tempo e nos impulsiona a re-dimensiona-lo sempre.

    Gostei da leitura feita sobre musicalidade e da mistura fina entre música e literatura.

    Me faz refletir: o que seria um filme sem trilha sonora?

    E, pensando nisso, por que não os livros?

    Detesto esta sua citação de n nomes que não conheço.. rsrsrs... mas, no caso deste post, especificamente, me senti contemplada, me vi nele, me li quando te li... rsrsrsrs... e passar esta sensação ao expectador, é no mínimo, digno de um PARABÉNS!

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