terça-feira, julho 08, 2008

Senado e opinião pública estão divididos sobre a Lei de Crimes na Informática.

Conheça as polêmicas da Lei que alterará a rotina da internet brasileira.

Imagine-se na seguinte situação: para você fazer uma ligação, além de digitar o número do telefone da pessoa com quem deseja falar, você terá que informar seu RG e CPF. Somente após a operadora telefônica confirmar os seus dados, a sua ligação seria autorizada. Esse exemplo extremo tem sido usado como analogia por alguns veículos de imprensa para visualizar como se modificaria a rotina no momento de um simples acesso à internet, levando em conta as exigências da nova lei de crimes relacionados à informática. A cena descrita acima não deve ser interpretada no seu sentido literal, porém serve para apresentar a mudança que gera maior polêmica no Projeto de Lei de sobre os crimes na área de informática: a burocratização da internet.

O Projeto de Lei da Câmara n° 89, de 2003, e os Projetos de Lei do Senado n° 137, de 2000, e n° 76, de 2000 visam adequar os códigos Penal e Militar aos crimes na área de informática. De acordo com o texto, passa a ser obrigação dos provedores de acesso à internet manter o registro de todas as conexões realizadas pelo prazo de, no mínimo, três anos. Se o texto do projeto for aprovado, todos os usuários terão que identificar aos provedores utilizando os documentos para que eles possam permitir o acesso à internet. O controle da veracidade e a coleta dessas documentações ficarão sob responsabilidade dos provedores. Antes de qualquer acesso à internet, o usuário já teria que estar identificado. Atualmente existe o sistema de controle através do IP, que seria uma identificação do local onde foi acessada a internet.

Essa proposta de identificação de todos os usuários de internet é considerada pelos provedores inviável. “Os provedores acreditam que não seria difícil acessar a internet com documentos falsos.”, disse Mac Maillan, sócio-proprietário da ContilNet. Outro ponto que preocupa os provedores é que essa burocratização desestimule o acesso à internet. “Ao criarem-se mecanismos que não são eficientes no combate aos crimes e que dificultam o acesso, a lei afastaria os usuários leigos, que muitas vezes tem medo de computadores.”, conclui Maillan.
A provedora acreana ContilNet possui em torno de 1500 cadastrados. “Nós (os provedores) teríamos que adquirir novos programas, o que acarretaria em gastos maiores que seriam repassados aos usuários”, afirma Maillan sobre os recursos necessários para se adequar às normas do Projeto.

Já houve vítimas de crimes relacionados à internet no Acre, grande parte dos casos realiza-se graças à ingenuidade do usuário ao clicar em links desconhecidos. Os crimes cometidos por hackers acontecem tanto em contas bancárias como em sites invadidos.

Outra crítica feita pela mídia e especialistas de informática recai sobre o modo como o combate a um delito cibernético será tratado de maneira desligada às particularidades do veículo, como se fosse um roubo de cheque ou falsificação de assinatura. “Caso aprovadas da forma que estão, as exigências podem levar os provedores a oferecer seus serviços no exterior, onde tais obrigações inexistem.” afirma António Tavares, presidente da Abranet - Associação Brasileira de Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet, em entrevista para o portal Terra.
Segundo a CERT.br - Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil, em 2006, houveram 137.509 incidentes de crimes na internet brasileira. De acordo com pesquisas feitas pelo CGI -  Comitê Gestor da Internet no Brasil, 25,54% da população da Região Norte já acessou a internet até agosto de 2006, sendo que desse número, apenas 21,01% acessam da sua própria casa. Isto caracteriza em mais uma dificuldade para o controle dos usuários.

A internet é considerada uma revolução nos meios de comunicações. Isso se deve, principalmente, à rapidez com que circula a informação e a liberdade de expressão que o veículo fornece. Recentemente, o Comitê de Proteção aos Jornalistas divulgou que 49 dos 143 jornalistas que foram presos no mundo desde janeiro de 2006 utilizam a internet através de páginas informativas. Estes números indicam que os governos estão monitorando a internet com uma intensidade maior, e ressaltam que a rede vem se tornando um meio de informação desligada do controle que a grande mídia e as autoridades exercidas na opinião pública.

O substitutivo dos Projetos ainda não foi aprovado e já sofreu algumas modificações em relação ao original. Segundo o relator do Projeto, o senador Eduardo Azeredo, com a nova redação somente no caso de ocorrência do crime de acesso indevido a permissão de acesso concedida a usuário não identificado e não autenticado, será punida se provado o dolo ou a culpa de quem permitiu. Projeto entraria em votação na Comissão de Constituição no dia 08/11, mas foi adiada para revisões em alguns pontos abordados. Não há data prevista para que ele seja recolocado na pauta do Senado Federal.

Entrevista

Carlos Castilho é jornalista e tem seu trabalho bastante ligado à relação entre mídia jornalística e internet. Atualmente reside em Florianópolis, Santa Catarina, mas já viajou por diversas partes do mundo em razão da sua profissão. Já atuou como redator e editor internacional do Jornal do Brasil, chefe do escritório da TV Globo em Londres, editor de telejornais da TV Globo, professor de Jornalismo Online na Universidade Tuiuti/Paraná e na IBES-Blumenau, autor do capítulo Webjornalismo no livro No Próximo Bloco - Editora PUC/Rio -2005 e, atualmente, escreve no blog Código Aberto no site Observatório da Imprensa, entre outros. Em entrevista concedida via e-mail, Castilho explica porque é contra o texto da Lei de Crimes de Informática, do senador Eduardo Azeredo.

*Qual a importância da internet como meio de comunicação independente, na atualidade?

Carlos Castilho - Inicialmente gostaria de fazer uma distinção para esclarecer conceitos. A internet é uma plataforma de troca de dados digitalizados, composta por computadores em rede. Já a Web é a interface que permite aos computadores conectados através da internet comunicar-se entre si de forma fácil e rápida. O adjetivo independente complica um pouco a questão. A internet não é uma rede independente das demais já existentes, como a rede telefônica, de rádio ou televisão. Ela existe no mesmo contexto e tende a servir de plataforma para a convergência de veículos de comunicação, integrando som, imagens, texto e interatividade. Mas a palavra independente pode servir também para caracterizar o uso da internet por pessoas comuns, sem vínculos com grandes empresas de comunicação. Qualquer que seja o sentido do uso da palavra independente, a internet é hoje a marca de um novo ciclo econômico na história da humanidade. Tecnicamente ela é uma rede de computadores, mas suas conseqüências vão muito além disso. Ela viabilizou a circulação de informações, dados e conhecimentos através da Web numa escala jamais vista. Hoje a Web é a maior biblioteca que o homem já construiu e seu desenvolvimento mal começou. Além disso, a internet, aliada à computação, criou condições para que a informação se transformasse na commodity mais valorizada dos tempos atuais. E a informação não é uma matéria prima como as outras (petróleo, ferro, soja, borracha etc.), pois ela além de ser inesgotável é renovável e multiplicável. Quanto mais a informação circular mais ela se enriquece. Isto traz como corolário a necessidade de um livre fluxo da informação e de sua maior transparência. Bom, por aí você já pode ver a importância transformadora que ela assume na realidade atual.

*Existe a necessidade de uma lei específica para crimes na área de informática?

CC - A regulamentação da internet e da Web não pode ser feita pelos sistemas convencionais porque se trata de um fenômeno completamente diferente. Embora ainda estejamos apenas no início da era internet já se pode prever que as regras dentro da rede serão estabelecidas mais por consenso do que por imposição. Isto porque os mecanismos para chegar a leis específicas são muito mais lentos do que a capacidade de programadores criarem novos softwares para realizar aquilo que se deseja proibir. Além do mais a natureza da internet e da Web é sua extrema fluidez, já que não existem mais fronteiras nacionais, a privacidade está desaparecendo e a colaboração assume formas inéditas. Evidentemente existem atividades como desvio de dinheiro de contas bancárias e delitos financeiros que podem ser resolvidos e punidos. Isto é basicamente uma responsabilidade dos bancos e da polícia. As leis atuais são aplicáveis em casos como estes. O que é diferente são os métodos de investigação e identificação dos criminosos. No meu entender, o que não pode ser feito é um problema dos bancos ser transformado em problema da sociedade. Para reduzir as perdas dos bancos com delitos financeiros, não se pode punir a sociedade inteira.

*As alterações apresentadas pela lei para tais crimes são viáveis?

CC - A solução proposta pelo infeliz projeto do senador Eduardo Azeredo é inviável porque implica frear o crescimento da internet que, como já disse, depende do livre fluxo da informação. A solução é impraticável como sabe qualquer novato da Web. O certo seria abrir um amplo debate sobre a questão usando a Web como forma de circular informações sobre os delitos financeiros e suas conseqüências. Este debate deve ter dois objetivos: desenvolver procedimentos técnicos para evitar os delitos financeiros e criar novos padrões de comportamento dos usuários de serviços bancários.

*A grande controvérsia gira em torno da inserção do artigo 154 - C no Código Penal (referente à identificação e autenticação de usuário, tais como nome, data de nascimento, endereço, RG, etc.). Além deste trecho, há outros pontos controversos?

CC - O que mais me preocupou no projeto do senador Azeredo é o seu desconhecimento do que são a internet e a Web. O parlamentar está tentando combater um delito cibernético como se fosse um roubo de cheque ou falsificação de assinatura. É necessário um enfoque totalmente diferente. Fico preocupado com o desconhecimento dos nossos parlamentares em relação à nova realidade digital, que já comanda boa parte da economia do país e das relações sociais entre brasileiros. Este desconhecimento é mais um sintoma do crescente isolamento do poder legislativo nacional em relação ao resto do país.

*O Projeto tem sido elaborado há 10 nos, entretanto, a discussão veio à tona apenas recentemente. Até que ponto a falta de debates prejudicou a elaboração do projeto?

CC - Acho que a falta de debates a nível federal é um fato que pode explicar facilmente o que aconteceu com o projeto. Ele foi retirado da pauta depois que ficou flagrante a sua inadequação. Está faltando troca de informações entre os governantes, porque nos fóruns, chats, listas de discussão e weblogs discutem-se muito. Só que a realidade da Web ainda é marginalizada pela grande imprensa brasileira, que só noticia o anedótico, exótico, escandaloso ou escabroso da rede.

*Em seu blog, Código Aberto, você escreveu um artigo apontando o crescente número de prisões de blogueiros-jornalistas pelo mundo inteiro. Que tipo de efeito essa tendência pode acarretar?

CC - O aumento do número de prisões de jornalistas que usam a Web para publicar notícias é uma prova do poder mobilizador de uma nova geração de profissionais e de amadores que trabalham com informação de relevância social. É um indicador triste porque está apoiado na negação da livre circulação de informações e na privação da liberdade individual. Mas ao mesmo tempo mostra que o chamado jornalismo online não é mais uma atividade marginal no jornalismo.

* Quais as conseqüências da omissão da grande mídia sobre o assunto?

CC - A lentidão da grande mídia em trazer a discussão da nova realidade digital para a agenda pública de debates é uma conseqüência dos temores desta mesma mídia em relação à sua capacidade de conviver com a internet e a Web. As omissões da imprensa convencional não lograram, no entanto impedir a disseminação da internet, apesar dos enormes obstáculos criados pela exclusão digital e pela ausência de políticas públicas sobre acesso à informação digitalizada.

 

Essa matéria foi feita por mim e publicada no jornal-laboratório "Catraia" do Curso de Jornalismo na UFAC, no começo de 2007. Achei muito pertinente ao assunto postado pelo Adaildo Neto. É uma lei importante e que pode mudar muito do que é a internet brasileira hoje. Infelizmente, a sociedade não vêm participando tanto o que deveria do debate sobre o tema. Espero contribuir com a discussão, mesmo que seja entre os leitores do Grito Acreano.

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