Pegando carona no post sobre Cinebiografias que o Samuel fez, resolvi inaugurar minha colaboração neste ilustríssimo blog com o meu Top 10, só que do Cinema Nacional. Seguem abaixo os melhores filmes produzidos no Brasil, em ordem alfabética e na minha opinião. E nada de Tropa de Elite hein, seus fanfarrões!
A Ostra e o Vento, de Walter Lima Jr. (1997) – o filme narra a história de Marcela, jovem que vive em uma ilha com seu pai e anseia por conhecer o mundo ao seu redor. Aprisionada pelo amor do pai, a jovem interpretada por Leandra Leal nutre um romance fantasioso com o vento. O filme é baseado no romance homônimo de Moacir C. Lopes e é uma das adaptações literárias mais bem cuidadas já produzidas no cinema nacional, considerada uma obra-prima pela crítica por seu lirismo. Destaque para a trilha sonora composta por Wagner Tiso, e para a canção-tema, composta por Chico Buarque. A fotografia de Pedro Farkas acaba se tornando um dos elementos mais importantes da narrativa, pois é através da atmosfera audiovisual que se consegue a conexão entre as intempéries da natureza e as intempéries da condição humana. O elenco conta ainda com a presença de Lima Duarte e Fernando Torres.
Abril Despedaçado, de Walter Salles (2000) – Tonho Breves precisa vingar a morte de seu irmão mais velho, no sertão brasileiro, vítima da luta pela posse de terra. Interpretado por Rodrigo Santoro, o jovem sabe que, vingando seu irmão, também ele será perseguido pela família rival, conforme o código de vingança que impera na região, semelhante ao código da máfia italiana de 50 em Nova York. Assim, Tonho tem o que lhe resta do mês de abril para esperar a morte ou questionar a lógica do processo. No elenco, Luiz Carlos Vasconcellos e José Dumont. O filme também é uma adaptação literária do romance homônimo de Ismail Kadaré. O grande destaque, além da interpretação de Ravi Ramos Lacerda como Pacu, o irmão mais novo de Tonho, é a fotografia dirigida por Walter Carvalho. O filme é um dos mais prestigiados do cinema nacional, tendo concorrido ao BAFTA e ao Globo de Ouro, e foi vencedor do Festival de Veneza.
Amarelo Manga, de Cláudio Assis (2003) – Estreante na direção, Cláudio Assis traz com Amarelo Manga um filme de forte cunho autoral e fora do padrão forjado para o cinema nacional na última década. Através de micro-histórias que se entrelaçam, o filme narra seus personagens e seus universos de maneira atípica e contundente, mostrando suas transformações psicossociais, num Texas Hotel perdido em Recife, tal qual um Bates Hotel de Hitchcock. A direção de fotografia também fica por conta de Walter Carvalho. Grande vencedor do Festival de Brasília, conquistando sete Candangos, e com atuações primorosas de Matheus Nachtergaele - como o homossexual Dunga - e Dira Paes - como a evangélica Kika, o filme impressiona ainda pelo seu baixo orçamento: Cláudio Assis rodou o longa com meros R$ 500.000,00, numa época em que filmes nacionais eram orçados em até três milhões de reais.
Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha (1964) – O longa rodado em 1964 é figurinha fácil em qualquer Top 10 nacional, por sua linguagem diferenciada e, principalmente, por ser um Glauber Rocha. Sintetizando história, literatura de cordel, religiosidade e Euclides da Cunha num longa em preto e branco, Glauber cria um universo maniqueísta através de personagens demasiadamente humanos, e lança uma tese de que nem o demônio nem Deus serviriam de solução para os dramas pessoais e sociais de cada indivíduo, indicando através de sua narrativa que a humanidade precisa buscar para si a libertação. Com atuações de Yoná Magalhães e Othon Bastos, o longa é um marco no cinema nacional.
Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho (2001) – Também adaptação literária, da obra homônima de Raduan Nassar, o filme conta às avessas a parábola do filho pródigo. André fugiu de casa e cabe ao seu irmão mais velho, Pedro, trazê-lo de volta. Por ser o filme de estréia do cineasta,cabem muitos destaques a este filme. Além da fidelidade ao texto literário, que beira a reverência com as falas em off dos personagens; um elenco irrepreensível encabeçado por um brilhante Selton Mello, além da presença luminosa de Simone Spoladore e um Raul Cortez que, no fim, nos proporciona o grande momento do filme; temos mais uma vez a fotografia de Walter Carvalho a dar grandiosidade a um longa que, por sua natureza literária, causa arrebatamento pela beleza, sensibilidade e ausência de convenções. Mas, cuidado. Se você só quer passar o tempo, Lavoura Arcaica não é nem um pouco recomendável. Também foi o grande vencedor do Festival de Brasília, além de muitas premiações mundo afora.
O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhália (2006) – Heitor Dhália debutou no cinema com Nina, filme de 2004 cuja estética difere de tudo já produzido em âmbito nacional. Dois anos depois, ao dirigir O Cheiro do Ralo, Dhália nos apresenta novamente a uma estética pouco comum, narrando como um personagem de caráter questionável passa por declínios psicológicos e morais na mesma medida em que o cheiro exalado pelo ralo o incomoda. Através de um vendedor/comprador de objetos usados, que inicialmente é um ser humano normal e ao decorrer do longa se enche de obsessões, inclusive por uma bunda monumental, o diretor mostra toda a desconfiança que o autor do livro homônimo que inspirou o filme, o quadrinista Lourenço Mutarelli, tem pela humanidade e seus aspectos sociais. Destaque para mais uma atuação singular de Selton Mello, dando ao personagem principal uma voz rouca e uma atitude blasé que acabam por transformar Lourenço num anti-herói. Participação mais que especial de Paulo César Pereio como a voz do pai da noiva abandonada. Além da fotografia, meio amarela, quase enjoativa, dando uma idéia de atemporalidade ao filme e quase igual ao cheiro que sai do tal ralo.
O Céu de Suely, de Karim Aïnouz (2006) – do mesmo diretor de Madame Satã (2002) e com a fotografia consagrada de Walter Carvalho, o longa conta a história de Hermila, retirante nordestina que precisa retornar de São Paulo para o interior. Ela leva um filho no colo e deixa na cidade grande um amor, que lhe diz que vai ao seu encontro quando possível. O filme narra uma mulher mudada em uma cidade parada no tempo e no espaço, e como essa diferença de locação dá espaço pra solidão e pra sensação de abandono. E de como, inesperadamente, Hermila tenta mudar sua própria sorte, e na necessidade de se reinventar, se transforma em Suely. O filme de Aïnouz não é sobre um local específico, mas sobre as sensações de um personagem, suas nuances; Hermila seria Suely no interior do Nordeste ou no frio do Sul. No elenco, atores e atrizes iniciantes e praticamente desconhecidos do grande público, como Hermila Guedes – que vive a protagonista – e João Miguel, que também pode ser visto nos excelentes longas Cinema, Aspirinas e Urubus e Estômago.
Terra em Transe, de Glauber Rocha (1967) – Na fictícia Eldorado, política e revolução servem como pano de fundo para a alegoria que Glauber pretende defender com um dos ícones do Cinema Novo nacional. Traçando um paralelo entre a cidadezinha ficcional, o Brasil e até mesmo a América Latina, Glauber abre mão da narrativa convencional, abolindo a ordem cronológica dos fatos e imprimindo ao longa um tom quase burlesco. O filme fala de política num momento nevrálgico para os povos latino-americanos, com todas as suas ditaduras e revoluções de esquerda. Conta com um elenco de primeira grandeza, entre Paulo Autran, José Lewgoy, Paulo Gracindo e Hugo Carvana. É também um dos primeiros filmes de Paulo César Pereio.
Um Copo de Cólera, de Aluízio Abranches (1998) – Mais uma adaptação da obra de Raduan Nassar, o longa narra um dia na vida de um casal, e como as diferenças silenciadas podem eclodir à luz de um acontecimento banal. Ele, um homem de 40 anos que vive tal qual um eremita numa chácara distante de tudo e de todos. Ela, uma jornalista atraente e de forte atuação política. Após uma noite tórrida de sexo, o conflito, provando a tese do próprio Raduan de que não há limite no amor que não seja o mesmo limite do ódio. Mais uma vez, uma adaptação fiel ao texto literário que lhe deu origem, beirando a reverência. O casal Alexandre Borges e Júlia Lemmertz protagonizaram cenas polêmicas, porém líricas, assim como o próprio texto. Uma obra sutil, quase desprovida de ação, com diálogos intensos e ferozes.
Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos (1963) – Adaptado da obra homônima de Graciliano Ramos, o longa tem por característica a influência do neo-realismo italiano no diretor. Contando a história de uma família de retirantes que tenta fugir da seca através do olhar do menino Fabiano e sua cachorra Baleia, o diretor repassa ao espectador toda a crueza do sertão, mas ainda assim com alguma poesia. O diretor concorreu à Palma de Ouro em Cannes, e foi à premiação acompanhado da cachorra Baleia, que mobilizou o mundo. Vidas Secas é o único filme nacional a constar na lista do British Film Institute entre as 360 obras cinematográficas fundamentais à história do cinema.
Espero que o post não tenha saído imeeeenso. E vocês repararam que dos dez filmes listados, seis são adaptações de obras literárias?
Daniela Andrade é brasiliense perdida/achada em Rio Branco. Não é acreana, mas também sabe gritar. E fala de si na terceira pessoa porque acha charmoso mesmo, e daí?
gostei do post, Daniela, bem bacana mesmo, e olha q eu nao sou um fã do cinema nacional...
ResponderExcluirmas pra mim faltou Toda Nudez Será Castigada, outra adaptação literária.
Lavoura Arcaica e Amarelo Manga estão bem merecidos
;]
Só fico lembrando do Glauber Rocha e sua "É preciso lembrar que o cinema é a pintura em movimento". Piro nele demais, mas das suas obras, eu prefiro O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro.
ResponderExcluir"Abril Despedaçado" é fodástico. E eu queria assistir ao "Um copo de cólera" só por causa das cenas de sexo. Tipo, acho que tenho um tesão reprimido pela Julia Lemmertz... :P
ResponderExcluirE o "A ostra e o vento" eu não assisti, mas, pela sinopse, me pareceu o plágio de um conto do Shakespeare chamado "Tempest"...
P.S.: Ei, Dani! Finalmente te deixaram postar, hein? hahahah
Acho que dessa lista só assisti O Cheiro do Ralo...
ResponderExcluirEsse é o olho do meu pai... Ele morreu na guerra...
Nossa, é um filme doentio, mas eu gosto.
Dessa lista só não vi "Cheiro do ralo" e "Vidas secas". Parabéns pelo post! Muito bom mesmo! Concordo com todos os filmes (dos q eu vi) e sei q a lista é bem pessoal, mas fico feliz por ter faltado mais um monte, sinal q o cinema BR tem muita pérola. Quero citar mais dois filmes:
ResponderExcluir- "Bicho de sete cabeças", adaptação do livro "Canto dos Malditos" de Austregésio Carrano.
- "Feliz ano velho" - adapatção homônima ao livro de Marcelo Rubens Paiva.
Abraço.
Me falta ver alguns. Acho q vou ver com o olho que meu pai perdeu na guerra... uhauhauhau!!!
ResponderExcluirAgora já vi "Cheiro do ralo". hehehe
ResponderExcluirMuito bom o post. Só que só assisti a Abril Despedaçado, e numa mostra. O cinema nacional é ótimo, mas desvalorizaaaaado...
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