A festa gayNa última terça-feira, afundado numa velha monotonia musical de uma cidade dominada por calypso, pagode, forró, axé, funk, dance e até techno, fui avisado de que haveria, enfim, um show de rock. Tudo bem que a cena acreana vem evoluindo, as bandas ganharam mais espaço, já temos uma promessa na cena alternativa nacional (los porongas) e até um festival entre os maiores da região.. Mas shows de rock por aqui, em geral, ainda ocorrem com pouca frequência.
Eis que haveria o show de rock. Perto da minha casa. Numa terça-feira, quando há a certeza de que nenhum outro (bom) evento vai acontecer na cidade. Com as presenças garantidas de amigos, conhecidos e semiconhecidos (aqueles que você encontra por aí, cumprimenta, pergunta se está tudo bem e nem espera pra ouvir a resposta). Somando tudo, motivos mais que suficientes pra que eu resolvesse andar um pouco, abrir o portão, andar mais um pouco, dobrar a esquina, desviar das pedras das obras da calçada, atravessar a rua, andar mais um pouco, desviar dos carros estacionados, até chegar no local, devidamente cansado após tão longo percurso, percurso este que faço parecer longo descrevendo assim.
Eis que eu fui. Eu já havia sido avisado da temática da festa. Era uma festa gay. GLS. Fazia parte do "calendário da diversidade". Diversidade. Olhando rapidinho no dicionário: Diferença. Dessemelhança. Contradição. Oposição. Pra um grupo que luta pra ser igual, acho que o nome não é correto. Diversidade me remete também ao "Instituto da Diversidade", criado pelo governo acreano atual, cuja função ainda é uma incógnita. Por isso a insistência com a palavra "gay". Diversidade, aliás, é até um pouco de preconceito. É uma festa gay, oras. E pronto. As pessoas têm medo da palavra, mas é assim que vou tratar do assunto, com ampla utilização do termo, acreditando que ao final do texto serei acusado até de ser homofóbico, por não usar a palavra "diversidade" e fazer piada com o tema.
O fato é que, na festa gay, havia mais heteros do que "seres diversos". Com exceção de um ou outro, que nem precisa dançar YMCA na sua frente pra você perceber a opção sexual, a maioria parecia ser heterossexual. Os que não pareciam, deixavam pairar sob suas cabeças a incógnita "Será que é?". Certamente haviam ali, também, os que não se encaixam na categoria "gay". Pansexuais, atraídos pela beleza das árvores ali ao lado. Semi-heteros, que se não pegassem alguém do sexo oposto, se contentariam em "ficar" com amigos do mesmo sexo. Mas que, aham, não são gays. E adeptos da filosofia "straigh-edge", que preferem passar a noite jogando videogame do que.. é, enfim. Havia de tudo, certamente, toda a fauna. Mas dando pinta de ser da galera do arco-íris, mesmo, era raro.
Sendo ou não, estava numa festa gay, cujo maior atrativo parece ser não a segmentação de um público com determinada preferência sexual em um recinto, mas sim a reunião, sem preconceitos, de todos em um mesmo lugar. Só que, quando você tem algum interesse além da festa em si, a coisa complica. Sem meias palavras. Porque você, no caso eu, sujeito heterosexual, fica observando as menininhas, bonitinhas, acompanhadas de suas respectivas amigas..
Amigas..Entendeu o ponto? É aí que a coisa complica. Porque você tá numa festa gay, oras. Sabe-se lá se são só amigas mesmo. Então, você, caro amigo hetero, que vai à uma festa à procura de mulher, anote aí: festa gay não é o lugar mais correto para encontrá-las. Recomendação não aplicável caso você tenha uma namorada. Aí pode bater ponto nas festas gays. Porque, veja pelo lado bom, o assédio masculino à sua namorada tende a ser bem menos frequente, ou mesmo inexistente, o que por consequência também diminui os riscos de entrar em conflito com algum gaiato durante a noite. Apesar disso não livrá-los, você e sua namorada, de assédio por parte da turma "diversa".
Mas fora isso, é tudo natural. Bebidas. Ambiente. Comportamento do público. Exposição com fotos de bundas masculinas. Ouvir "it's raining man". Tudo muito natural, quando você sabe onde está. E eu estava numa festa gay, incomum seria ver skinheads se divertindo por ali.
Você que chegou até aqui, deve estar pensando que eu esqueci de alguma coisa. Pois bem, o show. A banda era a Filomedusa. Como aprendiz de Lúcio Ribeiro acreano, podia ter a pretensão de chamar estas linhas de "resenha do show". Mas como eu, confesso, não fui com o intuito principal de ver a banda em si (embora a frase "show de rock" tenha me atraído), acho inoportuno dar ares de crítica musical à este texto.
Mas o fato é que eu estava ali, bem em frente à banda, do início a fim. E não estava bêbado, o que é interessante pra quem se atreve a comentar um show tentando ser sincero. Indo direto ao ponto: a banda evoluiu, visivelmente. O que não é uma surpresa, em se tratando de uma banda com pouco tempo de estrada e ótimos músicos. Se antes não tinha apelo o suficiente pra atrair gente como eu pra ir até um show conferir unicamente sua apresentação, essa visão parece estar mudando. Fico nesse papo de transição ("parece estar") porque preciso ver mais vezes. O que já garante minha ida a próximos shows. O fato é que o que eu vi me agradou, e muito. E essa era a opinião que reinava ali.
Um amigo comentava: "Tem um pouco de Radiohead nessa guitarra". Eu sou um reles representante de público de show, longe de ser um crítico musical, daí o fato de não ter essa sensibilidade pra perceber influências. Se fosse apontar alguma, diria que Franz Ferdinand parece ter ditado acordes na guitarra e batidas da bateria na hora de criar certas músicas. Até mesmo na hora dos covers, tão combatidos pela galera da música autoral, mas com a esperta função de se aproximar do público, percebia-se algo inovador.
Moby? Tim Maia? Com roupagem rock? Sequer imaginava a hipótese. Eis então uma descrição da Filomedusa, uma banda nova, em nítido processo evolutivo, que já se mostra uma promessa, tão logo novas composições entrem para o repertório e as atuais ganhem (mais) o gosto do público. Eu não fui lá para vê-los, é verdade. Porém, da próxima vez, quando anunciarem "show da Filomedusa", é certo que serei atraído não mais pelo simples fato de ser um show de rock, mas pela vontade de comprovar que estamos vendo nascer uma nova boa banda acreana.
Thiago Fialho
Fonte: Coca Mata : blog do Thiago F
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